A reabertura do Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) foi aprovada pelo Senado com a premissa de atenuar efeitos da pandemia. Conhecido popularmente como Refis, o programa beneficia empresas que têm dívidas com a União, aumentando o prazo do pagamento e dando descontos significativos sobre o valor devido.
Mas, na opinião de especialistas, poucas empresas vão conseguir aderir ao PERT caso a proposta, que ainda precisa ser aprovada na Câmara dos Deputados, seja sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Para Tatiana Del Giudice, tributarista e sócia do escritório Candido Martins Advogados, o problema é o valor que as empresas precisam pagar para aderir ao novo Refis. Pelo texto que passou no Senado, as devedoras poderão ter descontos de até 90% em juros e multas sobre dívidas com a União. Porém, para gozar do benefício, elas vão precisar pagar uma entrada que varia entre 2,5% e 25% do valor da dívida.
“A empresa que está sem fluxo de caixa não vai conseguir fazer frente a essas condições. Mesmo aquelas que estão endividadas e não tiveram queda de faturamento ao longo da pandemia, vão ter dificuldades em desembolsar um valor tão alto, pois têm outros custos”, afirma a advogada.
As empresas que não tiveram queda de faturamento são justamente aquelas que precisam pagar um quarto da dívida para entrar no programa. Ao aderir ao Refis, elas conseguem um desconto de 65% sobre juros e multas. A proposta de reabertura do PERT prevê outras cinco faixas de adesão de acordo com valores faturados pelas devedoras entre março e dezembro do ano passado.
Na ponta oposta estão as empresas que tiveram queda de faturamento superior a 80%. Elas precisam pagar 2,5% da dívida para aderir ao Refis e conseguir desconto de 90% em juros e multas sobre o valor devido à União.
A sócia do Candido Martins afirma, no entanto, que o maior rigor do novo Refis é positivo. “Se uma empresa consegue pagar 25% da dívida para aderir ao programa, isso acaba fomentando os cofres públicos. A dureza nas cláusulas [do Refis] são positivas, porque a gente está mudando o perfil de parcelamento no país. A estrutura antiga [do parcelamento] era inviável”, diz Tatiana.
Uma das entidades que apoiaram a votação do tema no Senado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirma que não faz sentido as empresas deixarem de pagar tributos por estratégia.
“A inadimplência não ocorre, na esmagadora maioria dos casos, por uma decisão das empresas. A dívida existe por absoluta incapacidade de honrar todos os compromissos financeiros, com o Fisco, os funcionários e os fornecedores”, disse o presidente da CNI, Robson Braga, em nota enviada à reportagem.
Refis beneficia quem não precisa, diz procurador
Independentemente da faixa de adesão ao Refis, todas as empresas que fizerem parte do programa vão poder parcelar as dívidas em até 144 meses, ou seja, doze anos. Para o procurador da Fazenda João Grognet, coordenador-geral de Estratégias de Recuperação de Créditos, o PERT cria distorções, beneficiando grandes empresas que não precisam de descontos para pagar a dívida.
“Vamos supor que o banco ‘A’ paga suas dívidas, mas o banco ‘B’ não quis fazer o mesmo para esperar o Refis e ganhar desconto. Isso acaba com a concorrência. O Refis acaba servindo de resgate para quem tem capacidade econômica e não precisava dele”, afirma Grognet.
Ele diz que o programa viola a lei de responsabilidade fiscal ao conceder descontos sobre dívidas com a União sem apresentar medidas de compensação. O Senado argumenta que só o valor pago pelas empresas para aderir ao Refis já vai injetar liquidez nos cofres públicos, mas a preocupação dos especialistas é se as empresas vão honrar com as parcelas no longo prazo.
“O risco de assumir esses requisitos e não conseguir cumpri-los é muito grande”, afirma Tatiana Del Giudice. Historicamente, explica a tributarista, o Refis é visto como um programa que beneficiou maus pagadores. “Muitas empresas grandes foram financiadas pelo enrolar dessa dívida”, complementa.
Autoridades fiscais defendem alternativa
A transação tributária é uma modalidade de negociação de dívidas com a União regulamentada no Congresso em abril do ano passado, no começo da pandemia. Por meio desse instrumento, as empresas negociam débitos diretamente com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que define condições de parcelamento e descontos de acordo com a capacidade de pagamento da devedora.
“É uma ferramenta mais adequada para o resgate de endividados. Se a empresa não pode pagar 100, admitimos que ela pague 50. Mas se puder pagar 100, vai pagar 100”, afirma o procurador da Fazenda. Segundo os últimos dados do Ministério da Economia, mais de R$ 100 bilhões em dívidas foram negociados por transação tributária desde que o instrumento entrou em vigor.
O novo Refis foi aprovado no Senado a contragosto do governo, que lançou a transação tributária e defende esse mecanismo de negociação de dívidas. Mas na avaliação do cientista político Rodrigo Prando, a posição contrária do Planalto ao Refis também tem relação com a corrida eleitoral do ano que vem.
“O governo quer dinheiro em caixa para investir em políticas assistencialistas que melhorem seus índices de aprovação, como aumentar o valor do Bolsa Família. É mais fácil desagradar uma parcela do empresariado [sendo contra o novo Refis] e ganhar apoio maciço de uma outra parte do país”, afirma Prando.
Fonte: CNN Brasil